Não quero mais a neutralidade. Quero assumir minha realidade e me expor e vencer o medo de errar que bloqueia o movimento e a criação. Quero pecar por excesso.

Esse blog é isso. Um exercício de Libertação.








sábado, 6 de fevereiro de 2010

Aprendendo a viver - crônica de Clarice Lispector

Com toda licença, recortarei meus pedaços favoritos:



"Thoreau era um filósofo americano que (...) escreveu muitas coisas que talvez possam nos ajudar a viver de um modo mais inteligente, mais eficaz, mais bonito, menos angustiado.
Thoreau desolava-se vendo seus vizinhos só pouparem e economizarem para um futuro longínguo. Que se pensasse um pouco no futuro, estava certo. Mas "melhore o momento presente", exclamava. E acrescentava: "Estamos vivos agora". E comentava com desgosto: " Eles ficam juntando tesouros que as traças e a ferrugem irão roer e os ladões irão roubar."
A mensagem é clara: Não sacrifique o dia de hoje pelo dia de amanhã. Se você se sente infeliz agora. Tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe.
Cada um de nós, aliás, fazendo um exame de consciência, lembra-se pelo menos de vários agoras que foram perdidos e que não voltarão mais. Há momentos na vida que o arrependimento de não ter tido ou não ter sido ou não ter resolvido ou não ter aceito, há momentos na vida em que o arrependimento é profundo como uma dor profunda.
Ele queria que fizéssemos agora o que queremos fazer. A vida inteira Thoreau pregou e praticou a necessidade de fazer o que é mais importante para cada um de nós.
(...)
Impacientava-se também com os que gastam tanto tempo estudando a vida que nunca chegam a viver. "É só quando esquecemos todos os nossos conhecimentos que começamos a saber."
E dizia essa coisa forte que nos enche de coragem: "Por que não deixamos penetrar a corrente, abrimos os portões e pomos em movimento toda a nossa engrenagem?" Só em pensar em seguir o seu conselho, sinto uma corrente de vitalidade percorrer-me o sangue. Agora, meus amigos, está sendo nesse póprio instante.
Thoreau achava que o medo era a causa da ruína dos nossos momentos presentes. E também as assustadoras opiniões que nós temos de nós mesmos. Dizia ele: "A opinião pública é uma tirana débil, se comparada à opinião que temos de nós mesmos." É verdade: mesmo as pessoas cheias de segurança aparente julgam-se tão mal que no fundo estão alamardas. E isso, na opinião de Thoreau, é grave, "pois o que um homem pensa a respeito de si mesmo determina, ou melhor, revela seu destino."
E, por mais inesperado que isso seja, ele dizia: tenha pena de si mesmo. Isso quando se levava uma vida de desespero passivo. Ele então aconselhava um pouco menos de dureza para com eles próprios. O medo faz, segundo ele, ter-se uma covarida desnecessária. Nesse caso devia-se abrandar o julgamento de si próprio. " Creio" escreveu " que podemos confiar em nós mesmo muito mais do que confiamos. A natureza adapta-se tão bem à nossa fraqueza quanto à nossa força." E repetia mil vezes aos que complicavam inutilmente as coisas- e quem de nós não daz isso?- como eu ia dizendo, ele quase gritava com quem complicava as coisas: Simplifique! Simplifique!
E um dia desses (...) deparei com um artigo com citações de Bernanos (...).
(...) ele procurava a salvação pelo risco- sem o qual a vida não vale a pena- e não pelo encolhimento senil, que não é só dos velhos, é de todos os que defendem as suas posições, inclusive ideológicas, inclusive religiosas.
Para Bernanos, dizia o artigo, o maior pecado sobre a terra era a avareza, sob todas as formas. "A avareza e o tédio danam o mundo." "Dois ramos, enfim, do egoísmo", acrescenta o autor do artigo.
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena.
Feliz ano novo."

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(A Clarice publicou esse conto no dia 28 de dezembro de 1968)

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