Não quero mais a neutralidade. Quero assumir minha realidade e me expor e vencer o medo de errar que bloqueia o movimento e a criação. Quero pecar por excesso.

Esse blog é isso. Um exercício de Libertação.








quinta-feira, 29 de abril de 2010

terça-feira, 27 de abril de 2010

Constatação muito feliz

Hoje a janela da sala passou o dia escancarada e agora 20:35 da noite vou acender a luz :)

ECAAAA

Beber licor de anis é pior do que tomar Buscopan composto sem direito à água depois.
Por que alguns restaurantes daqui servem um cálice disso para abrir o apetite? Abrir ou acabar com ele?
Eu hein ... povo doido demais!

Coisas que nunca vamos entender

Os alemães acham os doces brasileiros muito doces.
Como assim? O nome já diz tudo! Doce é doce e ponto final.
Em compensação eles adoram o tal do marzipan, que para minhas células degustativas tipicamente brasileiras, nada mais é do que uma massinha de modelar com gosto de remédio. É verdade que o negócio vira sobremesas absolutamente encantadores para os olhos e ... novamente ponto final.
Não é à toa que em Budapeste existe o museu do Marzipan. Aí sim eu entendo. Agora pergunte para o escultor-artista-confeiteiro se ele prefere comer um cachorrinho de marzipan ou um brigadeirão de panela?

Conclusão: Observe os doces alemães e continue comendo o velho e feio doce-de-batata-doce da sua vó!!!



Imagem não é nada. Tive a efêmera felicidade de pedir esse doce em Salzburg: a alegria durou até a primeira mordida.

Trecho de Lições de Abismo

Segunda parte- cap I
Beeeeem picotada ... que Gustavo Corção não se ofenda!

"Despedi-me hoje das rosas desfolhadas. Da mocidade estuante de três dias atrás e da maturidade esplêndida de ontem, eis o que ficou: quatro velhas, quatro loucas solteironas que ainda se pintam e se ataviam com pétalas impróprias para a idade.
Já disse eu que minhas rosas têm nomes? Dou-lhes nomes pessoais, de mulher, para libertá-las do indefinido da raça e da espécie. Fazem-me assim melhor companhia. A personalidade delas reforça a minha personalidade; e o ritmo delas alarga o meu ritmo.
Estas defuntas de hoje tiveram vida gloriosa. Chamavam-se ...
(...)
Mudei hoje a água e as rosas. Trago três botões escolhidos.
(...)
E agora começa a gesticulação lentíssima das flores. Acordam, espreguiçam-se, dançam num ritmo fora de meu ritmo, escondendo na lentidão, que promete séculos de vida, a doçura infinita de seus gestos perfeitos.
(...)
Imagina, ó minh'alma, um rosto amado que levasse doze horas a desatar um único sorriso, para depois morrer. E o que me confunde, nessa dança das rosas, e nesse ritmo fora de nosso ritmo - como se o comandasse lá do alto um coração gigante, metrônomo das estrelas e das rosas - o que me espanta, deixando-me perdido em cogitações sem fio, é a obscuridade, a autonomia, a gratuidade desse espetáculo sem espectador.
Amanhã quando eu acordar, minhas rosas-meninas serão moças. E parecer-me-ão imóveis. Se o vento as agita de leve, se elas então oscilam e se inclinam, mais escondida ainda estará aos meus olhos a sua mobilidade própria. Porque os meus olhos, escravos de um coração frenético, que há de pulsar ainda umas cinqüenta mil vezes, não conseguem adaptar-se ao ritmo largo, que pulsa uma só vez e morre. Vejo, quando muito, as etapas das rosas. Hoje botões. Amanhã entreabertas. Depois, gloriosas. E finalmente vencidas. Vejo-lhes as transições como o parente afastado que de ano em ano observa que a menina cresceu, botou corpo e ficou mulher.
Vejo-lhes quadros; digamos que veja uma dúzia, duas dúzias, digamos que de cinco em cinco minutos eu venha examinar o trabalho das pétalas. Mesmo assim, escapa-me a frase inteira, a continuidade, o sentido do movimento. Uma dança não é uma sucessão de estátuas. Quem tirasse duzentas fotografias de um bailado de Nijinski, ainda não saberia como dança a alma de um russo. Quem entrasse na sala de concertos de tempos em tempos, a se certificar do trecho por onde andam os músicos, nunca poderia conhecer as dimensões da alma de Mozart.
(...)
Espetáculos sem espectador. Imagina, ó minh'alma, esse imenso teatro sem platéia, esse palco escuro, essa infinita beleza escondida. Imagina os lugares ermos, as encostas dos montes pelas madrugadas, o concerto dos pássaros que as flores não ouvem, e o concerto das flores que os pássaros não vêem; imagina a joalheria de orvalho que a noite enfia em colares sem conta, e que o sol desfaz, sem que ninguém pelos vale diga à noite, ao pássaro, à flor: que beleza! obrigado!
(...)
Espetáculos sem espectador. As vidas... Imagina agora, ó alma de minh'alma, as vidas que ninguém vê, senão por etapas, senão por quadros imóveis, e que se entreabrem, que desabrocham, que pendem vencidas, sem que ninguém perceba a sua continuidade, o seu ritmo, o seu movimento todo, o seu segredo completo - sim, o seu segredo... "

domingo, 25 de abril de 2010

Prazeres







O parto da obra

Trecho de "Lições de Abismo" de Gustavo Corção

"Quem poderá inventariar a disparatada soma de tentativas, de extravios, de dias inúteis, de sofrimentos perdidos, que precederam a composição de uma sonata? E, no entanto, em meia hora, ela chega diante de nós, diz tudo, e agoniza mais depressa do que as rosas."

Pensando durante a missa

Se Jesus teve a coragem de passar pela dor horrenda de uma crucificação para salvar uma galera que nem o conhecia, o mínimo, mas o MÍNIMO MESMO que eu posso fazer é tentar ser boa e generosa com meu próximo em respeito a esse ato de amor infinito.
E às vezes uma boa ação nos é tão dolorida ... o que dizer de uma crucificação então!

Eu sofrendo para ir no aniversário de uma amiga meio chata que me adora, enquanto Jesus tinha suas mãos e pés pregados na cruz por mim.


Que coisa!

O Tato me disse que todos os vulcões na Islândia têm nome de mulher. Talvez seja por isso que eles estejam todos com os nervos à flor da pele ultimamente. Alguém tem dúvida de que vulcão é masculino???

terça-feira, 20 de abril de 2010

Ahhh o Frühling!!!

Há flores por todos os lados, há flores em tudo o que eu vejo!!!
Minhas Tulipas da semana!!!




O quintal do meu vizinho! Tulipas cobrindo o telhado e embaixo do meu travesseiro!




Minha rua com Flores! Flores! Fôlores! (bis)

A tal da vista da janela que vejo do meu cantinho querido do sofá.

Somos meros peões no xadrez da vida

Bem lá dos confins do mundo, logo depois de onde Judas perdeu a bota, numa terra chamada Islândia, Eyjafjallajoekull vomitou de raiva só pra relembrar o Homem de sua pequenês. E de olhos vermelhos, bateu os pés no chão gritando com sua voz grave:
-Vocês estão longe de dominar o planeta!

Credoooo... que nervo!!! Também... com um nome desses, bem humorado é que não podia ser.

Voltaremos à época das grandes navegações? Ou o Homem mais uma vez vai fingir que não entendeu o recado declarando o novo empreendimento multibilionário da abertura da ponte Europa-América?

Só Deus sabe, afinal Ele joga o jogo como quiser. E nada podemos reclamar, já que nos foi concedido o privilégio de participar!
O negócio é baixar a bola, respeitar as regras e tornar nossa estadia atrás do xadrez agradável.
Um dia o jogo acaba, as grades se rompem e se você for um jogador honesto será promovido de peão a borboleta!!!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sessão nostalgias da minha infância 2

Seguem mais duas recordações em papel de fotografia amarelado com cheiro de saudade e um pouco de poeira. As duas têm a mesma natureza de alegria perversa.

Episódio: Os exterminadores de formigas gigantes
Local: Praça da Abolição, que na verdade, se chamava era praça da bolição e só virou abolição porque agora eu sou adulto.
Personagens: Todos os primos.
Fato: É isso. Sem mistério e sem explicação. Acompanhados pelo meu pai, a diversão era esmagar com os pés aquelas formigas com dimensões inacreditáveis (talvez isso seja coisa de memória seletiva e fantasiosa, mas as formigas têm pra mim um tamanho de aranha tarântula). A praça nem perto da casa da vó ficava, mas nós íamos até lá guiados unicamente pela sede de esmagar.

Assustado? Então prepare-se para a próxima:

Episódio: A matadora de lesmas.
Local: Casa da vó
Personagens: Eu ou aquela personagem de aparelho do desenho do Nemo que chacoalha os peixinhos dentro do saquinho de água (dá na mesma). Eu sempre na companhia de algum adulto, pois minha meninice não me permitia enfrentar sozinha a escuridão do quintal logo atrás do corredor.
Fato: O crime ocorria de noite, quando todas as lesmas do mundo saiam dos seus esconderijos para se encontrarem no corredor do quintal da vó. Munida do saleiro gigante azul com duas tampas, que mais parecia um tapawer, eu caçava as pobrezinhas uma a uma. As coitadas nem tinham tempo para correr (hahaha desculpe, não pude perder a piada). Jogava cuidadosamente uma boa pitada de sal e observava com um prazer alucinado o bichinho espumar, derreter e virar geleca. Sem dó nem o menor peso na consciência. Essas coisas não existem na cabeça de uma criança.
E a cabeça dos adultos é que é bem engraçada. Alguém sabe me dizer por que tenho a sensação de que seu contasse um episódio de matança de baratas, não me sentiria tão malvada? Porque estamos condicionados: barata foi feita para morrer!

Isso me lembrou mais um episódio. Nesse sou um pouco mais velha e mera espectadora, chocada com o que vê.
Local: banheiro de visitas da minha antiga casa em Piracicaba
Personagens: Uma parente da vizinha que às vezes ficava com a gente enquanto os pais não estavam. Esqueci seu nome, mas seu rosto sou capaz de desenhar. Ela não tinha um dente da frente.
Fato: Noite muito quente. Não me lembro bem como sucederam as coisas, então seguirei direto para a imagem: a mulher debruçada no chão, em pose de predador a espreita, com a cabeça entre a privada e a pia, não movia um fio de cabelo. Silêncio. Silêncio. Eu, do lado de fora encostada na porta, nem respirava para não atrapalhar. E de repente o bote: CLAP. Não, meu amigo. Isso não é o som de uma previsível chinelada. Esse é o som do inesperado, do inadmissível. A mulher pega a barata com uma mão. Com a outra, faz uma toquinha igual quando se segura um passarinho. Levanta-se e joga a nojenta monstruosa pela janela. Vivinha da Silva. (Detecto nesse exato segundo minha tendência de exagerar, pois já ia logo dizendo que ela fez isso umas três vezes, com baratas diferentes. Mas sendo racional, acho que foi uma só mesmo).
E... sinceramente não sei como terminar esse Post. O que eu queria dizer fugiu pela janela junto com a barata! ???????

2 espirais cerebrais ou 2 idéias independentes complexas

O mundo atrás da minha janela da sala me chama constantemente a atenção. E aí, do sofá, eu levanto e vou até a janela com objetivo de contemplá-lo, mas não sei porque motivo eu nunca consigo. Sempre me perco no meio do caminho. Acho que é porque o mundo é muito grande e minha visão não abarca. Já do meu cantinho do sofá, eu o vejo através da moldura da janela e aí ele cabe em mim. É abarcável. É como se fosse necessário recortar para enchergar. Pensando bem tudo é meio assim: uma boa foto é nada mais do que um bom recorte do todo que se vê, um bom texto é um bom recorte do todo que se vive. Focar para expandir, como diria o bom, velho e peludo Marcelão na aula de improvisação!
Muito complexo?

...

Será que eu nunca vou refletir sobre a beleza e o tamanho do amor que eu sinto pelo Tato porque eu vou estar sempre dentro da coisa? Para se ver algo melhor é preciso certa distância e acho que meu amar é constante, eterno. Então só resta sentir mesmo. Sentir sem entender. É que eu queria ter o luxo de saber como é que é, mas se eu tiver que abrir mão de agir-amar para contemplar, ai não vai dar né?
Muito complexo?

domingo, 11 de abril de 2010

Amore, morangos e pôr-do-sol no meu rio

Essa foi a vez das roxas


Olhai os lírios do campo!!!

Não é lindo? Não sei quanto ao livro, porque eu não li, mas sem dúvida Érico Veríssimo acertou no título!
...

Outro dia acordei com defeito e estava muito sol (aqui é falta de respeito ficar angustiado em dia ensolarado). Aí fiz o quê? Fui lá naquele lugar que eu sempre vou e que não vou escrever de novo, para não encher a paciência do leitor fiel (se é q existe um). Pois então.... lá no Tananan, estiquei minha esteira na prainha de pedregulhos redondos e, deitada na posição fetal com minha almofadinha azul, dormi. Dormi e até sonhei.
Acordei com uma imagem bonita: era como se o sol, com seus braços dourados, tivesse me carregado no colo, como quando se nina um bebê. E eu fiquei toda quentinha e "aconchegada". Até o defeito no peito passou!
Quando você estiver triste e não tiver pra onde ir: olhe, do seu jeito, os lírios do campo! E sem dúvida nenhuma Deus vem te fazer companhia. Você só precisa estar atento para perceber.

Coisa Estranha

Alguém além de mim tem a sensação de que o óculos atrapalha para comer? Sinto que estar ou não de óculos influi diretamente no sabor da comida. Quando ele embassa então... é inadmissível!

Tô ficando Green

Minha professora de meditação disse que comer algas torna a pessoa mais flexível!
Devo admitir que por mais engraçada que eu tenha achado essa informação, estou morrendo de vontade de experimentar.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Sessão nostalgias da minha infância 1

Depois de quatro dias de Páscoa, enclausurada por razões climáticas, com meu amore no nosso pequeno grande apartamento, adivinha quem é que apareceu? Exatamente no dia seguinte do fim do feriado, quando todas as pessoas, menos eu, devem voltar a trabalhar? Observação: Aqui existe também segunda-feira de Páscoa e é feriado. Quem é que deu as caras? Ele mesmo, o Sol.
Imagino que você já sabia, pois tenho plena consciência da freqüência com que ultimamente falo sobre essas coisas da natureza e isso vem da minha atual carência (para não dizer desespero) por dias bonitos de calor.
Pois então... foi mais uma vez na beira do Meu riozinho insuportavelmente transparente, enquanto eu fazia fotossíntese, que muitas lembranças da minha infância em Matão dominaram os meus pensamentos e
meu coração se encheu de uma alegria gostosinha. (Engraçado... minha infância tem aparecido na memória cada vez mais romântica e com um tom meio amarelado de foto antiga. Sério. A frase ficou tão bonita que até parece mentira poética, mas é pura verdade Jaquelina).
Hoje eu quero inaugurar minha sessão nostalgias da infância Jaquelina:
Local: Matão
Atividade: cavocar o quintal da vó com colher de sopa
Personagens: Eu, Marina, Carillo e Juca às vezes
Era o mais freqüente e talvez um dos mais divertidos dos meus prazeres infantis. Eu e minha irmã, mal descíamos do carro e já estávamos lá nos fundos para começar a escavação. Logo chegavam os outros.
Meus avós moravam em uma casa com um quintal gigante, que para nós crianças era uma verdadeira floresta. Haviam muitas árvores e duas garagens abarrotadas de cacarecos divertidos do meu avô.
Para a operação, usávamos baldes de água para amolecer a terra e muitas, muuuuitas colheres de sopa de metal da gaveta da minha avó. Guiados por objetivo nenhum e com uma fome insaciável de fazer buracos, cavocávamos como loucos o dia inteiro, sem pausa para descanso. Não precisávamos de porquês , isso era coisa de adulto. Nós éramos felizes e plenos no ato de cavocar.
Lembro de uma vez, essa sim com meta definida, que o Junior quis fazer uma pista para a bolinha de gude e nós cavocamos tudo. Tudo mesmo. No final do dia não havia meio metro quadrado sem buraquinho e obstáculos para as bolinhas. Uma verdadeira obra-prima! Não tão verdadeira diante dos olhos do meu avô, que quase morreu de susto quando saiu pela porta do quintal e se deparou com a superfície lunar bem no meio do seu quintal, em volta da goiabeira e do recém-plantado pé de mamão.
No fim do dia, cansados, os monstros de lama deixavam o pântano porque era chegada a hora de tomar banho. E então se iniciava outro evento extremamente divertido: a casa da vó tinha banheira!!! De escavadores virávamos peixes e só saíamos quando os dedos viravam uvas-passas beeeeem passadinhas.
Para finalizar o dia de trabalho árduo: sopa capelletti com coxinha! HUMMMMMM


Obs: A revisão ortográfica do Word insiste em me dizer que é CavoUcar e não cavocar. Meu Deus, não pode ser!!! Não consegui me adaptar. Dessa vez optei pelo errado mesmo.

sábado, 3 de abril de 2010

As tulipas dessa semana :)

Para alegrar o meu blog, já que muito texto espanta leitores!!!

A verdadeira sexta-feira santa

Ontem foi sexta-feira Santa. E aqui também é feriado. E aqui também não se come carne. E a cidade estava deserta e silenciosa (Freising é tão católica que deve até ser proibido sair na rua.. rsrs). E o Tato fez uma peixada deliciosa.
Mas faltou algo...
É que sexta-feira santa sem a procissão de velas de Matão não é uma legítima sexta-feira santa.
Quando eu era criança, nós íamos sempre para lá e a sexta-feira santa era um super de um evento. De tarde a Zezé e a mami já encapavam as velas com papel laminado para a criançada não queimar a mão. E de noitinha nós íamos para a esquina da avenida da antiga casa da minha vó para esperar a procissão.
Que delícia era esse momento. Que ansiedade gostosa de criança! À medida que despontava lá do bairro alto aquele mundo de luzinhas, me invadia uma animação tão grande que chegava perto do nervoso. E eu já nem cabia mais em mim.
Aos poucos a reza do povo alcançava nossos ouvidos e podia-se até distinguir o padre que puxava o terço pelo microfone.
Quando a multidão estava perto de nos engolir, meu pai mandava que ficássemos colados nas paredes da relojoaria para não sermos levados pela onda humana. Era como se prendêssemos a respiração e mergulhássemos num mar de velas, calor e cheiros ao som de passos e ave-marias.
E então chegava meu acontecimento favorito. Toda de negro, com o rosto coberto, caminhava à frente do cortejo a viúva Verônica. Cantava chorosamente, nos intervalos de reza, a morte de Jesus e carregava solenemente o Santo Sudário, que ia desenrolando bem devagar até chegar ao ponto final da procissão.
Essa personagem sombria era de uma carga-dramática tão intensa que eu me estralava de medo e admiração. Na verdade, hoje entendo que já desde pequena, era o teatro que despontava em mim. O encantamento por aquela personagem bíblica nada mais era do que uma vontade louca de eu mesma viver aquela dama de negro, no auge de seu sofrimento, por algumas horas. Para aumentar ainda a aura de mistério que a envolvia, eu me lembrava de que alguém havia me contado que essa viúva tinha sido por muitos anos a tia Ada (uma tia velha, parente de meu avô, bem biruta da cabeça). Uau.
Passada a comissão de frente (desculpe se isto é termo de escola de samba) nós acendíamos as nossas velinhas e, acompanhados pelo meu pai, andávamos 1 quarteirão em cortejo até a igreja, que ficava na praça na rua de cima da casa da minha vó.
A igreja Matriz era o ponto final e também de encontro de duas outras procissões vindas de outros bairros. O povo se espalhava por tudo: pessoas dependuradas no coreto, de pé em cima dos bancos, montadas nas árvores. Era tanta gente que eu poderia jurar que o mundo inteiro estava presente. Na ponta dos pés dos meus 7, 8, 9 anos, com certa dificuldade para enxergar, assistia o fim da cena do desenrolar do Santo Sudário. Como é que podia o rosto de Jesus ter ficado gravado no pano com que Verônica enxugou seu rosto? Não entendia, mas me impressionava. (Não que hoje eu entenda, mas não me pergunto mais, simplesmente aceito).
Iniciava-se então a missa, apagavam-se as velas e eu começa a atormentar meu pai para irmos embora. Comprávamos uma pipoca de pipoqueiro e eu descia feliz e satisfeita com meus primos de volta para casa da vó. Provavelmente deveria ser hora da janta e nós tomaríamos uma sopa Taiadelli!!!
Só pra finalizar, registro ainda uma lembrancinha a fim de guardá-la mais seguramente... Sim meu amigo, em um dia muito distante nossa Memória há de falhar!
Lembro de uma vez que ganhei um terço fosforescente e o carreguei, junto com a velinha, ao longo do meu 1 quarteirão sagrado. Nunca me senti tão religiosa e iluminada como naquele dia.

OOOllléééééé

Estava eu chegando do trabalho, quando encontrei na entrada do meu predinho uma avó e sua neta. A senhora carregava um ramo de flores e a menina estava empurrando um carrinho de bebê com uma boneca dentro.
Enquanto eu prendia minha bicicleta, a pequena perguntou:
-Essa é sua bicicleta??
E eu, um poço de simpatia, na tentativa de me comunicar com aquele pequeno ser, respondi:
- Sim. E esse é seu bebê?
A menina sem coração e sem titubear respondeu com entonação adulta:
- Não. Isso é uma boneca.

OOOOOOOOlé. Fiquei sem reação.
As crianças estão muito adultas ultimamente.