Não quero mais a neutralidade. Quero assumir minha realidade e me expor e vencer o medo de errar que bloqueia o movimento e a criação. Quero pecar por excesso.

Esse blog é isso. Um exercício de Libertação.








domingo, 22 de abril de 2012

"O amor nos tempos do cólera" - um trecho

Achei muito bonito essa partezinha, que colo abaixo. Livro de Gabriel García Márquez.
Chorou pela primeira vez desde a tarde do desastre, sem testemunhas, que era seu único jeito de chorar. Chorou pela morte do marido, por sua solidão, sua raiva, e quando entrou no quarto vazio chorou por si mesma, porque muito poucas vezes tinha dormido sozinha nessa cama desde que deixara de ser virgem. Tudo que era do esposo lhe atiçara o pranto: os chinelos de borlas, os pijamas debaixo do travesseiro, o espaço sem ele nos espelho da penteadeira, o cheiro pessoal dele em sua própria pele. Abalou-a um pensamento vago: “As pessoas que a gente ama deviam morrer com todas as suas coisas.” Não quis ajuda de ninguém para se deitar, não quis comer nada antes de dormir. Na angústia de sua desolação, rogou a Deus que lhe mandasse a morte esta noite durante o sono, e com essa ilusão se deitou, descalça mas vestida, e dormiu no mesmo instante. Dormiu sem saber, mas sabendo que continuava viva no sono, que lhe sobrava metade da cama, que jazia de costas na margem esquerda, como sempre, mas que lhe fazia falta o contrapeso do outro corpo na outra margem. Pensando adormecida pensou que nunca mais poderia dormir assim, e começou a soluçar adormecida, e dormiu soluçando sem mudar de posição na sua margem, até muito depois de acabarem de cantar os galos, e a despertou o sol invejável da manhã sem ele.

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