Ou
O causo do sexo do ouriço
Ou
O causo do Fausto de Creta
Ou
O causo de Aris, o garçom fotógrafo
Para fechar com chave de ouro nossas super férias em
Creta, fomos jantar pela segunda vez no restaurante de um conhecido do pai do
Erik chamado Horgo (com toda sua licença, caro leitor, crio minha própria
ortografia pra esses nomes gregos).
Que noite inesquecível!
Chegamos e sentamos do lado de fora, numa mesinha
quadrada romântica com vista para o porto e para a igrejinha.
Logo que Horgo nos viu, já ordenou ao garçom que
trouxesse outra mesa para junto da nossa. Horgo é uma dessas pessoas simpáticas
que consegue sorrir com o rosto inteiro. Tudo nele sorri: queixo, nariz, bochechas.
Eu diria até que ele sorri com as orelhas.
Voltando à questão da mesa. Por que mais uma senão esperávamos mais convidados?
Por um motivo grego simples: uma mesa não é espaço suficiente para a quantidade
de comida que nos será servida! A culinária francesa que me perdoe, mas eu
adoro essa história de fartura.
Novamente sem sinal de cardápio. Isso é para turistas!
Para nós, Horgo deseja um bom apetite e some para dentro de sua cozinha. Aqui não
se escolhe e, sim, desfruta-se dos pratos mais frescos possíveis de peixes e
frutos do mar, trazidos quase vivos ainda para nossa mesa.
Para começar vinho branco, salada grega e muito pão com
azeite. Entrada perfeita. Eu já estava feliz só com isso. Os tomates da Grécia são
de um frescor e de um vemelho quase...quase.... até me faltam palavras... quase
transgênico. Mas são naturais.
Em seguida um prato
com algas regadas no limão, coisa mais deliciosa do mundo. Não tinham aquele
gosto forte de iodo, porque eram de uma espécie que vive na beira da água e não
nas profundezas do oceano. Além de saborosas são saudáveis. Segundo minha
professora de meditação comer algas faz muito bem porque torna a pessoa mais
flexível!?! De que forma eu não sei, mas na dúvida, sempre que eu posso, eu
como.Comemos ainda camarões fritos, peixe assado, lula, polvo. Maravilhas gastronômicas para apreciadores de frutos do mar.
A noite passava tranqüila com um vento quente agradável. Entre
um prato e outro, o garçom Aris sentava-se por alguns minutos conosco e tomava
um copo de vinho.
Até que chega à nossa mesa um prato misterioso. Pequenas
gosminhas alaranjadas difíceis de classificar à meia luz do restaurante.
Ligamos a lanterna do celular sob o prato a fim de ver melhor o que nos aguardava,
mas a melequinhas permaneceram tão identificáveis como no primeiro momento.
Tato e Erik como bons homens, cavalheiros e corajosos, decidiram
provar antes que nós mulheres. Garfos à postos, cada um com seu mini-filet só
Deus e Horgo sabem do quê e bom apetite! Os rostos a princípio curiosos e
animados foram se transfigurando numa careta de horror e nojo. Seus olhos lacrimejavam. Finalmente engolem e buscam desesperados o copo de vinho para lavar a boca do gosto do
inferno. Começam a rir como loucos.
Chegou a minha vez. Depois da cena acima, já se pode imaginar o tamanho da vontade que eu estava de encarar esse mini monstro do mar.
Chegou a minha vez. Depois da cena acima, já se pode imaginar o tamanho da vontade que eu estava de encarar esse mini monstro do mar.
Covardia pro lado e lá vou eu viver a vida perigosamente.
Antes da batalha, porém, era preciso alguns preparativos.
Enchi meu copo de vinho para um futuro buchecho às pressas, peguei um filezinho
e botei no pão com a esperança de amenizar o sofrimento, fiz um sinal da cruz e
comi.
Santa Maria dos sabores deliciosos!!! Como pode algo tão pequeno
ter um gosto tão ruim? É pior que gotinhas de Buscopan composto. Parecia que eu
estava comendo ralo sujo de banheira ou limbo de azulejo de parede.
O combate foi árduo. Minhas glândulas salivares
suplicavam para a língua mandar logo aquele alienígena para baixo. O estômago
que se virasse! Desceu. Venci!
Uma segunda dose, no entanto, só em troca de muito
dinheiro. E foi o que os meninos fizeram para testar a coragem um do outro. 30
euros para quem comesse tudo. O prato permaneceu intacto no canto da mesa até o
fim do jantar.
E agora é chegado o tão esperado momento. A revelação que
todos aguardam. Você está preparado, caro leitor? Pare de roer as unhas de ansiedade
e respire fundo, pois o mistério chegou ao fim.
Voltando do aeroporto de Munique de carona com a mãe do
Erik, perguntamos curiosos se ela sabia o que era o tal do prato servido no
Horgo. Sim, ela sabia. Aquilo não eram lesmas, filés de peixe ou cavalos
marinhos como havíamos suposto. Aquilo nada mais era do quê... tchan tchan
tchan tchan... os órgãos reprodutores de ouriços do mar.
AHHHHHHHH socorro! Se eu soubesse, provavelmente não teria
comido.
O mais engraçado é que ela contou que, segundo os gregos,
a comida gera um efeito afrodisíaco. Ainda bem que o mundo inventou o Viagra,
porque se não... coitados dos homens que precisassem de um empurrãozinho.
Voltando ao jantar,
devo dizer que o prato seguinte compensou plenamente o anterior. Dessa vez
chegou até nós uma lagosta maravilhosa. A recompensa para minhas pobres
glândulas salivares! Pena que o bicho é caro, se não eu comia todo dia.
Felizes e satisfeitíssimos (pra não dizer cheios porque é
falta de educação) continuamos proseando e tomando vinho. Foi quando chegou aos
nossos ouvidos um barulho um tanto incomum. Parecia mugido de vaca, mas era
feito por voz humana e vinha de dentro do restaurante. Tato levantou-se para
averiguar e descobriu a origem dos gemidos: Um senhor degustava seu prato e
gritava, sem exagero, ele berrava HUMMMMM HUMMMMM muito alto.
Era inacreditável o prazer daquele homem em comer o que
quer que ele comia. Nós e um senhor da mesa do lado trocamos olhares, segurando
firme para não rir. Então se passou aquela cena que sempre acontece quando não se
pode cair na gargalhada de jeito nenhum: Cai-se na gargalhada. Assim que acreditávamos
estar tudo sob controle, saía um HUMMMMM ainda mais alto que os anteriores. Ri
até doer a bochecha.
E quando eu achava que não daria para ficar mais engraçado,
aparece um cachorrinho maluco e começa a fazer aquele movimento bem típico de
querer pegar o rabo. Isso eu só tinha presenciado em desenho animado, mas é
coisa de vida real. O bicho fazia uns giros impressionantes de rápidos em torno
de si mesmo, mas, para seu azar, a caça era tão rápida quanto ele. Eu gostaria
muito de saber o que passa na cabeça de um cachorro nesse momento. Ainda bem
que ele parou um pouco para tomar fôlego, pois não era o único sem ar naquele
recinto.
Chegou finalmente a hora da sobremesa. Hummmmm (o meu é baixinho)! Bolinhos fritos de ricota regados no mel. UAU. Nesse
ponto da noite, eu já não conseguia mais me mexer de tanta comida na barriga.
No entanto, eu sempre digo: tenho dois estômagos. Um para salgados e outro para
doces. Os bolinhos estavam dos deuses. Gregos!
Ainda viriam café e um destilado chamado Ouzo para ajudar
na digestão.
De repente aproxima-se um senhor da nossa mesa e começa a conversar conosco. Vocês não vão acreditar quem era. Ele mesmo, o autor do HUMMMM em pessoa.
Hora de falar um pouco a sério e relembrar uma boa e velha lição: as aparências enganam.
Quem diria que aquele homem de uns 75/80 anos, com uma faixa preta típica na testa, dado como lelé por nós, fosse tão inteligente e conseguisse falar fluentemente uns 5 ou 6 idiomas diferentes? Conversamos um bom tempo em espanhol, italiano e alemão com o Fausto (seu nome). Ele ficou tão alegre que alguém finalmente o ouvia, que não parava mais um segundo de falar.
O garçom preocupado que esse papo nos tornasse um incômodo, acionou o plano “salva clientes” do restaurante: ligava do telefone do balcão no celular do senhor (sim, tecnologia não vê idade) e desligava. Fausto parava de falar por alguns minutos concentrado no seu pequeno aparelho, mas logo voltava com uma reclamação: -Essa pessoa que me liga não sabe de nada. Aparece aqui como número privado e eu não posso retornar a ligação!
O plano não funcionava, mas todos riam. Até que Fausto cansou de ablar e como veio, se foi. Foi, mas ficou. Para sempre.
Antes de ir
embora, como toda boa turista, pedi ao garçom Aris que tirasse uma foto de nós
quatro. Mais um momento divertidíssimo. Ao ver nossa máquina grandona da Canon,
seus olhos começaram a brilhar e ele não parava mais de nos fotografar. De cada
ângulo possível ele fez uma foto e dizia com muito entusiasmo: -Nossa! Que
máquina!
Foi correndo lá dentro, buscou sua pequenininha e bateu
mais algumas. Flash aqui. Flash lá. Nós um pouco sem graça com essa situação Top
Model.
Levantamos meio apressados, pagamos a conta baratíssima e
nos despedimos amigavelmente.
A alguns metros do
carro, porém, Aris alcançou-nos novamente e disse que poderia tirar mais
algumas fotos nossas no cais, ao lado do restaurante. Um amante da fotografia! Não
havia como negar um pedido tão singelo. Fomos e fizemos praticamente um book
para guardar de recordação. Muitas risadas e fotos fora de foco.
Tato disse que se tivéssemos dinheiro suficiente, teria
presenteado o fotógrafo apaixonado sem pensar duas vezes.
Dormimos como anjos. Anjos de barriga cheia e coração mais
cheio ainda.
Obrigado Meu Deus por ter vivido uma noite tão singular!
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