Minha felicidade
incomensurável de voltar para casa não deprecia em nenhum momento a vida
maravilhosa que tenho por aqui. Por que será que a gente tem essa mania de
taxar as coisas? Hoje contando para uma amiga o quanto estou ansiosa para
partir, ela perguntou: nossa aqui é tão ruim assim? Absolutamente... a alegria
de ir embora não diminui os maravilhosos anos que vivi na Alemanha. Uma coisa não exclui
a outra.
Hoje comecei a me despedir
lentamente do meu larzinho delicioso. Segunda-feira o apartamento será
pintando, de modo que passei o dia tirando os muitos quadros e seus pregos das
paredes. Uma atividade aparentemente insignificante. Aparentemente.
Retirar o quadro, observá-lo
com carinho em minhas mãos, sorrir com a lembrança que ele me traz e
depositá-lo no sofá para ser empacotado é muito prazeroso. Aqui não há a idéia
de separação, já que faremos a tão longa viagem juntos e eles continuarão a
fazer parte da minha história. Há, no entanto, algo que fica. Algo que chora. E esse algo é a parede branca, vazia e esburacada. Tudo ficou tão triste que eu mesma
sinto-me agora um pouco branca, vazia e esburacada. Essa impessoalidade da
parede sem quadros é quase um tapa na cara. Cada buraco uma ferida aberta.
Sinto como se eu e meu apartamento estivéssemos terminando um relacionamento.
Estamos... na realidade. Um relacionamento tão saudável e feliz que só agora me
dei conta o quanto eu vou sentir falta dele.
Hoje caiu a primeira neve
desse inverno. E quando neva, a casa da gente fica infinitamente mais
gostosinha e aconchegante. Não há coisa mais acolhedora do que chegar do frio lá
de fora, sentir o ar quentinho do lar, fazer um chá e observar pela janela os
flocos de neve caírem. Protegido. Pois é. Exatamente isso eu não senti quando
cheguei hoje da rua. A casa está meio irreconhecível. Já tem menos a nossa cara
e ainda está de cara virada pra mim. Fiz um chá para ajudar, mas enquanto
escrevo, percebo o paredão vazio atrás da tela do computador.
Voltemos agora ao primeiro
parágrafo, até então desconexo do restante do texto. A alegria de ir embora,
não me impede de sentir a tristeza da despedida. É como se nunca sentíssemos um
sentimento por completo. Há sempre um pedaço que chora e um que ri. Separações serão
sempre doloridas. Não positivas, nem negativas. Transformadoras.
O oco é desconfortável
porque nós seres gulosos desejamos o todo. O aqui e o lá. O agora, o antes e o
depois. Sem esse vazio, no entanto, como haverá espaço para o novo? Além disso... o oco
nunca é oco de verdade. Ele é cheio de lembranças que levamos para sempre como
tatuagens.
Partirei, portanto, muito
tatuada, vazia, feliz e triste.
E aliviada porque, para
nossa sorte, a palavra partir vem
sempre acompanhada de outra... chegar!
Detalhe: depois de tudo pronto e publicado, percebo na foto uma palavra em vermelho que salta de uma das plaquinhas. Que bonito!